quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O cordelista imortal de Mossoró

Parabéns pelo seu sucesso!!!

Em qualquer lista que reúna os grandes nomes da Literatura de Cordel, especialmente os que estão em atividade, não pode faltar o de Antônio Francisco.

POETA POPULAR

Mossoroense, Antonio Francisco, nasceu a 21 de outubro de 1949, num bairro chamado Lagoa do Mato. Poeta popular, xilógrafo, compositor e artista- dedicou-se a poesia após os quarenta anos de idade; tendo no dia 15 de maio de 2006 tomado posse na Academia Bresileira de Literatura e Cordel – ABLC, na cadeira de número 15, patronímica do poeta cearense Patativa do Assaré.

É autor dos poemas: “O Guarda-Chuva de Prata”, “Os Sete Constituintes” ou “Os Animais têm Razão”, “Aquela Dose de Amor”, “A Oitava Maravilha” ou a “Lenda de Cafuné”, “A Cidade dos Cegos” ou “História de Pescador”, “As Seis Moedas de Ouro”, “Do Outro Lado do Véu”, “Confusão no Cemitério”, “O Ataque de Mossoró ao Bando de Lampião”,“A Casa que a Fome Mora”, “Um Bairro Chamado Lagoa do Mato”, “O Feiticeiro do Sal”, “Uma Carrada de Gente”,, “Uma Carta para a Alma de Pero Vaz de Caminha”, “Uma Esmola de Sombra”, “O Rio de Mossoró e as Lágrimas que eu Derramei”, “O Lado Bom da Preguiça”, “A Resposta” e “De Calça Curta e Chinela”, editadas em folhetos ou em seus livros “Dez Cordéis num Cordel Só”, “Por Motivo de Versos” e “Veredas de Sombras”, editados pela Queima Bucha. Destacamos, abaixo, A obra:

OS SETE CONSTITUINTES

Quem já passou no sertão

E viu o solo rachado,

A caatinga cor de cinza,

Duvido não ter parado

Pra ficar olhando o verde

Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:

Como pode a natureza

Num clima tão quente e seco,

Numa terra indefesa

Com tanta adversidade

Criar tamanha beleza.

O juazeiro, seu moço,

É pra nós a resistência,

A força, a garra e a saga,

O grito de independência

Do sertanejo que luta

Na frente da emergência.

Nos seus galhos se agasalham

Do periquito ao cancão.

É hotel do retirante

Que anda de pé no chão,

O general da caatinga

E o vigia do sertão.

E foi debaixo de um deles

Que eu vi um porco falando,

Um cachorro e uma cobra

E um burro reclamando,

Um rato e um morcego

E uma vaca escutando.

Isso já faz tanto tempo

Que eu nem me lembro mais

Se foi pra lá de Fortim,

Se foi pra cá de Cristais,

Eu só me lembro direito

Do que disse os animais.

Eu vinha de Canindé

Com sono e muito cansado,

Quando vi perto da estrada

Um juazeiro copado.

Subi, armei minha rede

E fiquei ali deitado.

Como a noite estava linda,

Procurei ver o cruzeiro,

Mas, cansado como estava,

Peguei no sono ligeiro.

Só acordei com uns gritos

Debaixo do juazeiro.

Quando eu olhei para baixo

Eu vi um porco falando,

Um cachorro e uma cobra

E um burro reclamando,

Um rato e um morcego

E uma vaca escutando.

O porco dizia assim:

– “Pelas barbas do capeta!

Se nós ficarmos parados

A coisa vai ficar preta...

Do jeito que o homem vai,

Vai acabar o planeta.

Já sujaram os sete mares

Do Atlântico ao mar Egeu,

As florestas estão capengas,

Os rios da cor de breu

E ainda por cima dizem

Que o seboso sou eu.

Os bichos bateram palmas,

O porco deu com a mão,

O rato se levantou

E disse: – “Prestem atenção,

Eu também já não suporto

Ser chamado de ladrão.

O homem, sim, mente e rouba,

Vende a honra, compra o nome.

Nós só pegamos a sobra

Daquilo que ele come

E somente o necessário

Pra saciar nossa fome.”

Palmas, gritos e assovios

Ecoaram na floresta,

A vaca se levantou

E disse franzindo a testa:

– “Eu convivo com o homem,

Mas sei que ele não presta.

É um mal-agradecido,

Orgulhoso, inconsciente.

É doido e se faz de cego,

Não sente o que a gente sente,

E quando nasce e tomando

A pulso o leite da gente.

Entre aplausos e gritos,

A cobra se levantou,

Ficou na ponta do rabo

E disse: – “Também eu sou

Perseguida pelo homem

Pra todo canto que vou.

Pra vocês o homem é ruim,

Mas pra nós ele é cruel.

Mata a cobra, tira o couro,

Come a carne, estoura o fel,

Descarrega todo o ódio

Em cima da cascavel.

É certo, eu tenho veneno,

Mas nunca fiz um canhão.

E entre mim e o homem,

Há uma contradição

O meu veneno é na presa,

O dele no coração.

Entre os venenos do homem,

O meu se perde na sobra...

Numa guerra o homem mata

Centenas numa manobra,

Inda tem cego que diz:

Eu tenho medo de cobra.”

A cobra inda quis falar,

Mas, de repente, um esturro.

É que o rato, pulando,

Pisou no rabo do burro

E o burro partiu pra cima

Do rato pra dar-lhe um murro.

Mas, o morcego notando

Que ia acabar a paz,

Pulou na frente do burro

E disse: – “Calma, rapaz!...

Baixe a guarda, abra o casco,

Não faça o que o homem faz.”

O burro pediu desculpas

E disse: – “Muito obrigado,

Me perdoe se fui grosseiro,

É que eu ando estressado

De tanto apanhar do homem

Sem nunca ter revidado.”

O rato disse: – “Seu burro,

Você sofre porque quer.

Tem força por quatro homens,

Da carroça é o chofer...

Sabe dar coice e morder,

Só apanha se quiser.”

O burro disse: – “Eu sei

Que sou melhor do que ele.

Mas se eu morder o homem

Ou se eu der um coice nele

É mesmo que estar trocando

O meu juízo no dele.

Os bichos todos gritaram:

– “Burro, burro... muito bem!”

O burro disse: – “Obrigado,

Mas aqui ainda tem

O cachorro e o morcego

Que querem falar também.”

O cachorro disse: – “Amigos,

Todos vocês têm razão...

O homem é um quase nada

Rodando na contramão,

Um quebra-cabeça humano

Sem prumo e sem direção.

Eu nunca vou entender

Por que o homem é assim:

Se odeiam, fazem guerra

E tudo o quanto é ruim

E a vacina da raiva

Em vez deles, dão em mim.”

Os bichos bateram palmas

E gritaram: – “Vá em frente.”

Mas o cachorro parou,

Disse: – “Obrigado, gente,

Mas falta ainda o morcego

Dizer o que ele sente.”

O morcego abriu as asas,

Deu uma grande risada

E disse: – “Eu sou o único

Que não posso dizer nada

Porque o homem pra nós

Tem sido até camarada.

Constrói castelos enormes

Com torre, sino e altar,

Põe cerâmica e azulejos

E dão pra gente morar

E deixam milhares deles

Nas ruas, sem ter um lar.”

O morcego bateu asas,

Se perdeu na escuridão,

O rato pediu a vez,

Mas não ouvi nada, não.

Peguei no sono e perdi

O fim da reunião.

Quando o dia amanheceu,

Eu desci do meu poleiro.

Procurei os animais,

Não vi mais nem o roteiro,

Vi somente umas pegadas

Debaixo do juazeiro.

Eu disse olhando as pegadas:

Se essa reunião

Tivesse sido por nós,

Estava coberto o chão

De piubas de cigarros,

Guardanapo e papelão.

Botei a maca nas costas

E saí cortando o vento.

Tirei a viagem toda

Sem tirar do pensamento

Os sete bichos zombando

Do nosso comportamento.

Hoje, quando vejo na rua

Um rato morto no chão,

Um burro mulo piado,

Um homem com um facão

Agredindo a natureza,

Eu tenho plena certeza:

Os bichos tinham razão.


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